A cultura de um povo nunca morre. Ela se dinamiza e se reconstrói a cada instante pelas memórias de prazeres, paladares e celebrações. No Brasil, a mistura de culturas (negros, índios, europeus, árabes e orientais) originou patrimônios alimentares que são mantidos e valorizados, segundo a coordenadora da Rede Interinstitucional de Alimentação e Cultura (Redeac) e doutora em ciências da saúde, Denise Oliveira e Silva. "Eles expressam a essência e a base cultural coletiva das famílias e grupos sociais aos quais pertencemos", explica.
A pesquisadora filosofa ao refletir sobre o assunto. Para ela, "a memória alimentar nutre a alma como um ser único que pode transformar o alimento que comemos, seja em sua produção ou em sua preparação". Denise Oliveira cita como exemplo de raízes alimentares o acarajé, na Bahia; o churrasco, no Rio Grande do Sul; pão de queijo, em Minas Gerais; a feijoada, no Rio de Janeiro; e o feijão de corda em vários estados nordestinos.
Ela destaca, no entanto, que os hábitos alimentares são estruturas em constante modificação, porque expressam as relações simbólicas, culturais, sociais, econômicas e biológicas da escolha alimentar do indivíduo. Para a doutora em ciências da saúde, a discussão está centrada em um desafio: o "dilema do onívoro", assim classificado por estudiosos como Claude Fischler e Poulain.
"Incorporamos o papel de "consumidores-compradores de alimentos" em vez de "comensais de alimentos", o que demonstra as deformações decorrentes da influência da propaganda e da indústria agro-alimentar". Segundo ela, a relação entre necessidade e consumo está desequilibrada em vários aspectos da vida, entre eles a alimentação. Tanto que os hábitos alimentares refletem esse desequilíbrio, e a propaganda o reproduz.
Para Denise Oliveira, essa mesma indústria cria falsas safras de alimentos com um custo enorme para a natureza e o planeta devido à utilização de agrotóxicos, alimentos geneticamente modificados e aditivos químicos.
- Nossa expressão de escolha é uma maçã grande e vermelha, mas com conteúdo de alto risco, porque tem muito agrotóxico. Queremos alimentos de forma abundante, bonitos e que durem como "múmias" por várias semanas e quem sabe por meses. De fato o mundo tem um grande contingente populacional para ser alimentado, mas precisamos rediscutir o modelo de produção econômica pelo seu efeito deletério à saúde das pessoas e da Terra. Creio que a pressa de viver tem alimentado nossa busca pelo "fast food".
A coordenadora da Redeac considera positivas as mudanças nos "rituais alimentares". "Acredito que estamos em busca da comensalidade", reflete. Denise Oliveira ressalta, no entanto, que a população não perdeu o hábito de "comer junto", o que, segundo ela, ocorre em casa, na rua, nos restauranes e nos shoppings. Ela destaca que esse é um processo recente, que "merece ser mais compreendido de forma simbólica".
- Acredito que a valorização dos patrimônios alimentares são estratégias fundamentais para salvaguardar alimentos e preparações culinárias, o que inúmeros pesquisadores têm contribuído para o crescimento dessa discussão.
A Rede Insterinstitucional de Aimentação e Cultura incentiva a agregação de grupos acadêmicos interessadps em discutir os aspectos simbólicos e culturais da escolha de alimentos no Brasil. Existem perspectivas de ações e cursos com o objetivo de contribuir na compreensão desse fenômeno, direcionados, principalmente, a nutricionista.
Fonte: Revista CRN-4, Maio de 2011, Ano V. Número 11.